sábado, 31 de maio de 2008

Meirelles: “Esses povos existem e estão ameaçados se o governo não der atenção ao assunto”

Durante muito tempo, a existência de índios isolados e arredios na Amazônia e em especial no Acre era ignorada pela sociedade e mesmo pelos governos. Agora, com a publicação de imagens dessa população, através da imprensa local, nacional e internacional, a expectativa da Fundação Nacional do Índio (Funai) é que a repercussão do assunto se desdobre em medidas de apoio e investimento nas ações de proteção da região na fronteira com o Peru, local onde as fotos foram feitas a partir de um sobrevôo de 20 horas nos dias 29 e 30 de abril e 01 e 02 de maio.

O organizador da missão foi o sertanista José Carlos dos Reis Meirelles Júnior (foto), que aos 60 anos, já aposentado continua atuante na defesa destes povos e fazendo constantes alertas para o problema, o que demonstra sua paixão pela causa, da qual ele não se afastou mesmo após vários incidentes.

Meirelles, que é do quadro da Funai e atua há 20 anos nesta área, coordenando a Frente de Proteção Etno-Ambiental do Alto Rio Envira, na fronteira do Brasil com o Peru já sobreviveu a uma flechada que atingiu seu rosto e atravessou pela nuca e em outra situação teve de atirar em um índio arredio, em legítima defesa da vida de seu sogro, que quase foi flechado pelas costas em fuga de uma ataque, entre outros.

Durante a produção do material publicado semana passada - mais de mil fotos e imagens em vídeo produzido em parceria com o governo do estado - os índios de uma etnia não identificada responderam ao sobrevôo atirando flechas no avião, enquanto mulheres e crianças teriam se refugiado na floresta.

Na entrevista a seguir, o sertanista José Carlos dos Reis Meirelles Júnior relata os motivos da operação, porque divulgou as fotos e o que se espera a partir de agora.

É a primeira vez que esses índios são fotografados?

Não. Já fotografei estes índios outra vez. Esses sobrevôos fazem parte de uma rotina da Funai de monitoramento da área. E dessa vez foi uma parceria com o governo do Estado que fez gentileza da pagar o avião e ceder o fotógrafo e o cinegrafista.

Afinal de quem são as imagens?

As imagens são dos índios, mas estão com a Funai, enquanto os índios fotografados forem isolados. Se um dia eles quiserem fazer contato entregaremos para eles porque agora de nada vai adiantar eu passar lá em cima e jogar dinheiro pelo uso dessas imagens prá eles (risos).

Por que só agora a Funai resolveu mostrar essas fotos através da mídia?

Colocamos na mídia somente agora para mostrar que estes povos existem e chamar a atenção do governo brasileiro, para proteção deles que estão ameaçados pelos exploradores de madeira do lado peruano.

Qual é a situação?

Estes índios estão sofrendo ameaças. Eles são os últimos existentes numa das últimas áreas de floresta virgem na Amazônia, que está sendo estuprada ali na faixa de fronteira pelos madeireiros peruanos. Alguma coisa precisa ser feita para preservar ali onde estão as cabeceiras dos três grandes rios da Amazônia, o Juruá, o Purus e o Madeira e se a região não for preservada eles vão acabar.

Quer dizer que o problema é ignorado pelo governo?

Este problema no Peru, extrapola a competência da Funai. Os índios estão correndo de lá pra cá e não dá para esperar a boa vontade dos governos. Eles têm outras prioridades, por isso estamos chamando a atenção através dessa divulgação para que o governo brasileiro tome providências.

O que você está propondo?

O que nós estamos propondo, há 20 anos, nada mais é do que a proteção daquela região. Do lado brasileiro não tem ameaça, pelo menos no Acre, mas a gente tá vendo o que ta acontecendo com os índios em Roraima, Mato Grosso e Rondônia.

Como você espera que o governo brasileiro aja?

Espero que o governo brasileiro apóie o trabalho da Funai, que haja mais repasse de recursos da União que investe pouco na proteção desses povos. Para você ver, até esse sobrevôo tivemos que pedir ajuda para o governo do Estado.

Qual é a prioridade, na sua opinião?

A prioridade é a construção de uma base de proteção em Santa Rosa do Purus. Atualmente temos duas, uma no Tarauacá e outra no Envira (no município de Feijó), que é essa que eu trabalho. Mas nós precisamos de mais atenção e de recursos financeiros para trabalhar.

Quais são as dificuldades da sua atuação?

São muitas, mas só para você ter uma idéia para eu chegar na base, daqui de Feijó são 7 horas de barco.

A demarcação de terras indígenas não resolve a situação? Como está isso?

Existem duas terras indígenas dos povos isolados já demarcadas, que é a dos índios Kampas isolados do Envira e do Alto Tarauacá. E uma terceira já com tudo pronto para ser demarcada também que é a do Riozinho do Alto Envira. Ao todo são 620 mil hectares já demarcadas para esses povos.

Como foi feita esta demarcação?

A demarcação foi toda feita sem contato nenhum com eles, por uma iniciativa da Funai.

Quantas pessoas são?

É difícil saber um número exato só sobrevoando, mas eu estimo que sejam em torno de 500 pessoas de quatro etnias diferentes.

Como você sabe que as etnias são diferentes?

Os povos são diferentes, têm características diferentes, uns tem cabelo logo, outros tem cabelo curto, o jeito que se vestem, as pinturas e pela distância de um grupo do outro que é de cerca de 200 quilômetros.

Então você não sabe que etnias são?

Olha, eu não sei quem eles são, não quero saber e tenho raiva de quem sabe. No dia que eu souber eles estarão fadados à morte.

Por que?

Eles não têm nada que aprender com a gente e nem nós temos nada para ensinar. Os índios que tiveram contato, muitos deles aprenderam a beber, a fumar entre outros problemas. Eles estão muito bem assim isolados. Enquanto puderem ficar assim estarão melhor.

Estes não são os índios invisíveis?

Olha o pessoal chama de “índios invisíveis”, mas isso é invenção de jornalista. Eles não são invisíveis. Há registros de sua existência desde 1910.

Além dos incidentes que você já sofreu, recentemente sua filha sofreu um ataque?

É minha filha Paula que trabalha na base de Tarauacá. Ela levou uma flechada (mas não foi atingida). Isso acontece. Eu mesmo já levei uma flechada no rosto que foi parar na minha nuca.

Como assim? Você não estranha estes fatos?

Quem entra nesse trabalho entra sabendo dos riscos. Tem até uma brincadeira entre nós que eu sempre digo que se alguém acordar de manhã e ver do outro lado do rio a Xuxa e as Paquitas pode se assustar, mas se acordar e der de cara com índios não é para estranhar. Quem manda a gente estar na praia deles?



2 comentários:

ALTINO MACHADO disse...

Parabéns pela entrevista, Lamlid. Ficou muito boa. Viu como não valia a pena se preocupar se outro veículo local iria fazer o mesmo? Perderam mais uma oportunidade.

Anônimo disse...

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